Se você foi submetido a cirurgia de hérnia de disco lombar e ainda tem dor no membro inferior esse post é para você. A cirurgia de retirada de hérnia de disco é uma cirurgia bastante frequente com resultados satisfatórios e melhora clínica em mais de 90% dos casos.
A hérnia de disco lombar é a causa mais frequente de dor ciática na população geral e ocorre em uma prevalência de até 10 % na população geral em todo período de vida. Felizmente a maior parte dos casos tem duração limitada de até 2 semanas e 85% dos casos melhoram com tratamento clínico instituído com anti-inflamatórios, dentre outras medicações e fisioterapia. Ou seja, esta é a história natural da hérnia de disco.
A maioria dos casos de hérnia ocorre nos discos lombares L4-5 e L5-S1 e causam compressão das raízes correspondentes. Exceto em casos onde há comprometimento neurológico do força motora e da função da bexiga ( como no caso de síndrome da cauda equina), a maioria dos procedimentos cirúrgicos para retirada da hérnia de disco é realizado de maneira eletiva em pacientes que são refratários (não respondem ao tratamento medicamentoso) por mais de 6 a 12 semanas e que tem limitações da qualidade de vida.
As causas mais frequentes de dor persistente nos membros inferiores são:
Recidiva ou retorno da hérnia de disco - é definido com a ocorrência da hérnia de disco no mesmo nível, contralateral ou do mesmo lado seguido de um período livre da dor de pelo menos 2 semanas após a cirurgia. A incidência desta é de 5 -20%. Os fatores de risco clínicos para a recidiva são: sexo masculino, idade jovem, tabagismo e ocupação que exija carregar peso. Os fatores radiológicos ou das características da hérnia envolvem: amplos defeitos na estrutura do disco chamada ânulo (já foi associada até a 27% de recidiva e 21% de reoperação; presença de fragmento não protruso sem defeito do ânulo - taxa de persistência da ciática de 38%(esta cirurgia envolve uma lesão no ânulo para retirada do fragmento de disco). Neste caso é importante ressaltar que durante o procedimento de retirada da hérnia de disco somente retiramos o fragmento que encontra-se para fora e comprimindo a raiz nervosa. A retirada de todo o conteúdo do disco ou o máximo possível era feita frequentemente em um passado não muito distante e estava associada a menor retorno da hérnia. No entanto, ao retirarmos o disco que não está herniado podemos diminuir o suporte que o disco dá ao movimento entre as vértebras e precipitar maior dor lombar nestes pacientes durante o pós-operatório e durante a reabilitação. A retirada agressiva do disco, além de acelerar sua degeneração, aumenta a taxa de envelhecimento e sobrecarga das facetas (articulações posteriores entre as vértebras) e pode levar ao fechamento da saída do nervo na parte mais lateral da vértebra ou mesmo abaixo do restante da articulação que sobrou.
Quando falamos de recidiva ou retorno da hérnia é importante comentar sobre o repouso. Dois estudo de Carragee e col. demonstraram que os pacientes não precisam de restrição de atividades no pós-operatório da discectomia. No entanto, em alguns casos os pacientes podem relatar algum trauma, queda ou levantamento de peso que tenha precipitado o retorno do quadro. Se há uma lesão grande na estrutura do disco, a restrição de atividades que aumentam o retorno da hérnia deve ser recomendada. Evitar carregar peso, girar o tronco, esportes de contato como jiu-jitsu, cross-fit, lutas pode ajudar a diminuir a taxa de retorno da hérnia. A cirurgia para a
re-herniação tem taxas de sucesso semelhantes a primeira cirurgia.
2. Fibrose epidural ao redor do local onde foi retirada a hérnia
Fibrose é a formação de uma cicatriz ao redor do local onde foi retirada a hérnia que comprimia a raiz. Ela em geral ocorre entre 6 semanas e 6 meses após o procedimento. Esta fibrose pode restringir o movimento natural do nervo nos tecidos e levar a dor nas atividades de vida diária. Ela pode ser diferenciada da recidiva da hérnia de disco através da ressonância magnética com uso de gadolínio. A fibrose aparece hipo ou isointensa em T1, e hiperintenso em T2, com realce imediato e homogêneo após administração de contraste. Os fragmentos de disco extrusos ao contrário, são hipointensos em T2 e apenas eventualmente, ou na fase muito aguda, apresentam realce ao contraste. O núcleo pulposo, ou a parte interna do disco é rica em uma substância chamada fosfolipase A2, uma molécula pro-inflamatória que ativa a cascata do ácido aracdônico e está relacionada ao aparecimento de fibrose. A cirurgia também pode precipitar o quadro de fibrose e há medidas a serem tomadas durante o procedimento para que se possa diminuir as chances dela. Dentre eles estão a colocação de enxerto de gordura local ou a utilização de enxertos sintéticos, agentes tópicos intra-operatórios como corticosteróides e estes apresentaram resultados mistos, ora bons e ora ruins. O controle adequado do sangramento comprovou-se ser efetivo. No entanto, estudos comprovaram que pacientes com fibrose peridural tem 3,2 vezes mais chance de apresentarem recorrência da radiculopatia. A re-operação para retirada da fibrose é inefetiva na maioria das vezes e apresenta resultados bons a excelentes em apenas 42% dos casos.
3. Alterações bioquímicas e fisiológicas na raiz nervosa:
Estudos de histologia comprovaram que pacientes com hérnia de disco apresenta, além da compressão do nervo pelo disco, também alterações inflamatórias e e de espessamento da raiz nervosa que são responsáveis pelo aparecimento do quadro de dor, ou seja um quadro de irritação bioquímica que causa alteração da fisiologia normal do nervo e sensibilização. Esta sensibilização do nervo pode levar a dor persistente na perna apesar da retirada do fragmento de disco, tal dor persistente chamamos de dor crônica neuropática. Se a ressonância magnética não demonstrar recidiva da hérnia ou sinais de fibrose, então a dor ciática pode ser resultado de alterações fisiológicas crônicas e desmielinização do nervo que foi comprimido. Esta mudança de estrutura e função do nervo podem levar a descargas espontâneas que vem do gânglio posterior da raiz dorsal e causarem dor persistente no membro inferior.
Se não há evidência de compressão mecânica da raiz nervosa, seja por um fragmento herniário recidivado ou por fibrose, a cirurgia não é a primeira opção no tratamento da radiculopatia.
Estas alterações bioquímicas que acontecem em volta da raiz nervosa que levam ao uso de corticosteróides ou infiltrações em volta da raiz para o tratamento da dor aguda causada pela hérnia de disco. Tais infiltrações levam a diminuição da inflamação em volta do nervo com consequente melhora da dor de maneira transitória até que a história natural de reabsorção da hérnia de disco possa ocorrer (85% dos casos). Já em pacientes que já foram submetidos a cirurgia de hérnia de disco, não estudos consistentes sobre o papel da infiltração na melhora clínica da dor induzida apenas por alterações bioquímicas pós-operatórias, no entanto, esta pode ser utilizada para fins terapêuticos ou diagnósticos, com melhores resultados apenas quando repetidas várias vezes (média de 4 x no estudo de Manchikanti e col.). O tratamento com medicações nestes casos sempre deve ser realizado e o uso de gabapentina e pregabalina é o mais difundido e preconizado, com resultados mostrando menor evolução para dor neuropática crônica entre doentes com hérnia de disco.
4. Fatores psicossociais:
A persistência da dor na ausência dos fatores anteriores pode levar a hipótese de síndrome da falha da cirurgia lombar (Failed Back Surgery Syndrome) e fatores psicossociais podem contribuir para o quadro. Um questionário aplicado em pacientes submetidos a cirurgia de hérnia de disco (Minnesota Multiphasic Personality Inventory) chegou a conclusão de que diagnósticos específicos como histeria, depressão, hipocondria são relacionados a piores resultados após cirurgia lombar.
A hérnia de disco lombar é um diagnóstico comum em trabalhadores que apresentam necessidade de afastamento de suas atividades, principalmente relacionada a atividade pesado que necessita carregar peso em excesso e comprovadamente estes pacientes apresentam resultado cirúrgico mais limitado, com piores resultados e maior tempo até o retorno ao emprego. Fatores como a sensação de sobrecarga no trabalho, insatisfação e baixo ganho financeiro estão diretamente relacionados ao desfecho menos positivo da melhora da dor após o procedimento cirúrgico e o cirurgião deve estar sempre atento aos fatores psicológicos e a necessidade de tratamento multidisciplinar.
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Dr Eloy Rusafa,
CRM-SP: 119869
Neurocirurgião especialista em coluna pela USP
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