“ Dormir bem é uma bênção. O sono tem ainda hoje, uma função que se desconhece, mas sabe-se que está intimamente ligado à vigília e que é mais essencial à sobrevivência que comer e beber.” adaptado do livro - Bom sono, boa vida de Dr.ª Teresa Paiva .
DEFINIÇÕES E UM POUCO DE FISIOLOGIA
O Sono é definido como um estado comportamental complexo, de natureza cíclica e recorrente, de redução fisiológica do nível de consciência no qual o indivíduo pode ser despertado por vários estímulos, sendo os sensoriais os mais importantes.
Alterna-se com a vigília, que é um estado complementar ao de sono, em que há máxima manifestação da atividade perceptiva e motora voluntária.
À alternância entre o sono e o estado de vigília dá-se o nome de CICLO SONO – VIGÍLIA, que tem duração de 24 horas. Um sono satisfatório deve durar cerca de 7 a 8 horas, em geral.
O SONO é tão importante quanto o estado de VIGÍLIA. É primordial para restaurar os resultados da Vigília anterior e preparar o indivíduo para a próxima Vigília e mantê-la de forma adequada. Além disso, é essencial para o aprendizado, memorização e regulação da secreção hormonal.
Existe um relógio biológico que gera um ritmo endógeno, baseando-se em sincronizadores internos e externos. Atuam sobre o MARCA PASSO do ciclo denominado Núcleo Supra-Quiasmático, localizado numa parte do encéfalo chamada de Hipotálamo.
O sincronizador interno é chamado de Sistema Límbico (parte do sistema nervoso central, responsável pelas “emoções e comportamentos sociais”). Este sistema relaciona-se ao aprendizado, memória, atividade sexual, motivação e secreção hormonal. Realiza integração dos estímulos sensitivos e sensoriais com o estado psíquico interno, onde é atribuído um conteúdo afetivo a esses estímulos. A informação é registrada e associada a memória pré-existente, o que leva a produção de uma determinada resposta emocional adequada consciente e/ou vegetativa.
Os sincronizadores externos são o meio ambiente (dia e noite) e os ritmos sociais (trabalho, exercício físico, horários de refeições).
Resumindo, em resposta a estímulos internos e externos, núcleos em regiões do cérebro como tronco cerebral e diencéfalo, produzem várias substâncias. E o balanço entre secreções e as interações entre os núcleos, dá a alternância entre Sono e Vigília (comandados pelo núcleo Supra-Quiasmático).
SONO NÃO-REM E SONO REMO
Sono é dividido em duas fases, Sono Não-REM e Sono REM. O Sono N-REM ocupa 75% a 80% do tempo dormindo, alterna-se com o Sono REM, que ocupa entre 20 e 25 %. Um vai dando lugar a outro, sucessivamente, entre quatro a seis ciclos durante o período de sono.
Cada fase do Sono possui uma série de alterações fisiológicas que as distinguem bem. O início do Sono é caracterizado pelo Sono Não REM. As ondas cerebrais são lentas e de grande amplitude, o tônus dos vasos periféricos é diminuído, assim como os sinais vitais como temperatura, frequência respiratória, pressão arterial e frequência cardíaca. Os músculos ficam mais relaxados.
A principal característica do Sono REM e o que lhe confere o nome é a presença dos movimentos rápidos dos olhos (Rapid Eyes Moviments). As ondas cerebrais são rápidas e de baixa amplitude (semelhante à vigília), há intensa atividade elétrica e metabólica e o tônus muscular é intensamente diminuído. É onde ocorrem os sonhos vívidos e maior dificuldade em acordar o indivíduo.
Todas estas diferenças são monitoradas através de aparelhos que registram as atividades fisiológicas - o Eletroencefalograma (EEG) registra a atividade elétrica do cérebro. A Eletro-Oculografia (registra os movimentos oculares), a Eletromiografia (EMG) registra as contrações musculares e os aparelhos já conhecidos aferem outros sinais vitais. Ao conjunto da análise, dá-se o nome de Polissonografia.
A Polissonografia é um importante acessório no exato diagnóstico de um sério e debilitante grupo de doenças, até há pouquíssimo tempo negligenciadas. Mas que afeta demais a qualidade de vida e o desempenho de um grande número de pessoas, contribuindo para o aumento de ameaçadoras patologias crônicas, os Distúrbios do Ciclo Sono-Vigília e do Sono.
DISTÚRBIOS DO CICLO SONO-VIGÍLIA
Os Distúrbios do Ciclo Sono-Vigília ou Distúrbios do Ciclo Circadiano são transtornos nos quais, o indivíduo tem sono muito mais cedo ou muito mais tarde do que o exigido pelo ambiente, não se ajustando ao mesmo e levando a sonolência excessiva e insônia, causando sofrimento significativo e prejuízo social e ocupacional. O primeiro é chamado de Síndrome da Fase Avançada do Sono, e o segundo, Síndrome da Fase Atrasada do sono.
No primeiro exemplo, o indivíduo sente sono quase incontrolável no final da tarde, mas não pode dormir pelas obrigações sociais, então utiliza bebidas estimulantes para permanecer acordado. Dorme relativamente tarde, acorda muito cedo e não consegue mais dormir. Tem tendência a abuso do álcool.
No segundo caso, o indivíduo tem sono muito mais tarde que o “normal”, e acorda muito mais tarde. Como vive em sociedade, precisa acordar cedo, então fica sem disposição para o trabalho e estudo e irrita-se fácil.
Além destes principais, existe o tipo “Irregular“, gerado pela má higiene do sono (muito relacionado aos hábitos) e o “Sono-Vigília diferente de 24hs“, geralmente por falta de exposição ao sol (pessoas que se isolam, depressivos, deficientes visuais).
Existe um outro grupo de transtornos, denominados de Secundários (que são transitórios). O mais frequente é o Distúrbio do Trabalhador em Turnos. O indivíduo não se adapta, pois há mudanças muito frequentes de padrão. Há insônia e sonolência, diminuindo a vivacidade e o desempenho, com riscos de acidentes, predisposição a neoplasias e doenças cardiovasculares.
O outro é a Síndrome do Jet Lag ou Tipo Mudança de Fuso Horário. Ocorre devida a exigência de um outro padrão, exigido pelas constantes viagens ao exterior. O paciente queixa-se de sonolência excessiva durante o dia e despertares à noite. Queda do desempenho cognitivo e atlético, alterações do trato gastrointestinal, concentração, mal-estar, cefaleia, tonturas, fadiga e fraqueza.
OS DISTÚRBIOS ESPECÍFICOS DO SONO
Com a crescente cobrança da sociedade atual no desempenho do indivíduo em suas tarefas, na rapidez com que os empreendimentos e relações se constroem e se desfazem, com o alucinante número de apelos e exposições às sensações, nossa mente continua trabalhando quando chegamos em casa, e não conseguimos diminuir o ritmo de pensamentos ao nos prepararmos para dormir.
A Insônia é a dificuldade em iniciar ou manter o sono, despertar precoce, sono não reparador, que causa prejuízo ao indivíduo, no trabalho e na vida pessoal. É o mais frequente distúrbio do sono. Em média, um quarto da população adulta tem o problema, principalmente as mulheres (23% e 27 %).
Estudo da Universidade de Harvard, publicado em 2011, trabalhadores perdiam em
média, 11,3 dias de trabalho, ao ano, por insônia, proporcionando um déficit de U$ 63,2 bilhões ao ano, para o país.
Um estudo realizado pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) estimou que 77% da população de São Paulo sofre de algum tipo de doença do Sono.
A Síndrome das Pernas Inquietas é um distúrbio subdiagnosticado, mesmo assim tem posição relevante. Acomete 7% da população em algum momento. A causa ainda não é totalmente conhecida, mas está ligada a alteração da função da Dopamina no sistema nervoso. Está normalmente associada a algumas condições e doenças, como doença de Parkinson, Fibromialgia, Diabetes, Insuficiência Renal Crônica, Anemias, Polineuropatias, Obesidade, uso de medicação psiquiátrica, Tabagismo, abuso de álcool e cafeína, gestação e hereditariedade.
O indivíduo tem uma vontade incontrolável de mover as pernas quando estas estão paradas, principalmente durante o sono. Sente formigamentos, choques, inquietudes, latejamento, fisgadas, arrepios, “comichões”. Pode apresentar movimentos durante o sono, inclusive chutes. Melhora com movimento voluntário.
O tratamento baseia-se no controle da doença de base e eliminação do uso de substâncias causadoras, além, principalmente, da boa higiene do sono. Como sintomáticos, utilizamos alguns sedativos, antiepiléticos e medicações que elevam o nível da Dopamina circulante.
A Apneia Obstrutiva do Sono também se figura entre as doenças importantes do Sono e subdiagnosticadas (Até 30 % entre os obesos e acima de 50 anos). Ocorrem colapsos recorrentes da região da faringe durante o sono, resultando em redução substancial do fluxo aéreo, total ou parcial (apneia e hipopneia). Pode haver a sensação de sufocamento quando ocorre o despertar - Nem sempre há a percepção deste despertar (o mesmo pode ser observado apenas pelo parceiro ou parceira).
Ocorre alteração dos gases, ou seja, baixo nível de oxigênio e alto nível de gás carbônico no sangue. Durante o dia, acorre extrema sonolência, fadiga, dificuldade para raciocínio e de memória, além do risco de desenvolver Diabetes, Hipertensão, Obesidade, Insuficiência Coronariana e Acidente Vascular cerebral (AVC). Há ainda aqueles que só percebem que tem a doença ao sofrerem acidentes, inclusive de trânsito, por dormirem ao volante.
A AOS é considerada hoje uma doença progressiva, desde o Ronco mais severo (sem apneia) até a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono, que é a doença completa, após o diagnóstico das consequências, relatadas. O diagnóstico é baseado na história de sonolência e cansaço durante o dia, roncos, sensação de acordar sufocado (contada pelo paciente ou percebida pelo acompanhante), fatores de risco associados e exame físico (aspectos da formação da mandíbula, palato, úvula, complexo nasal). Confirmado por Polissono já descrita (acrescentando a avaliação dos gases (oximetria e capnógrafo). O tratamento baseia-se na eliminação dos fatores de risco, tratamento de doenças secundárias (instaladas), higiene do sono, utilização de aparelhos intra-orais, CPAP e às vezes cirurgias.
O Bruxismo é uma desordem que ocorre também durante o dia, mas preferencialmente durante a noite, acometendo todas as faixas etárias, em até 15 % da população. O indivíduo range ou aperta, cerrando os dentes. A consequência é o desgaste e amolecimento dentário, doenças da gengiva a disfunção das articulações têmporo-mandibulares, causando dores de cabeça e dor em região temporal ao abrir a boca. Apesar de haver causas genéticas e de conformação da arcada dentária, o principal desencadeante é o fator emocional e está bastante ligado a insônia e ansiedade. O tratamento é multidisciplinar, deve procurar o médico e o dentista.
O uso de placas intra-orais de silicone ou de acrílico ajuda a prevenir o desgaste dos dentes, mas pode haver necessidade de melhor avaliação da conformação mandibular e da formação dos dentes. Às vezes, há necessidade de medicações relaxantes e ansiolíticas. Mas sempre há necessidade de abordagem psicológica e incentivos para melhor qualidade de sono e de vida, no geral.
Outras doenças podem vir associadas às que já citamos acima. Podem ser transitórias em algum momento ou faixa etária, podem ser hereditárias ou não. Mas a manifestação vai depender da qualidade de vida e do ambiente a que somos submetidos. O Sonambulismo, a Narcolepsia, a Paralisia do sono e o Terror Noturno são mais específicos e são considerados doenças quando ocorrem em certa frequência e atrapalham o quotidiano. Há necessidade da consulta com o médico especialista para o diagnóstico correto e abordagem terapêutica adequada.
ABORDAGEM TERAPÊUTICA DOS DISTÚRBIOS DO CICLO SONO-VIGÍLIA E INSÔNIA
TRÍADE DA QUALIDADE DE VIDA
Uma história detalhada dos hábitos do indivíduo precisa ser feita. A maior causa de insônia é a ansiedade, a dificuldade em diminuir o fluxo de pensamento e relaxar. Associado a isso alguns precisam tratar quadros depressivos, em diferentes intensidades, a má higiene do sono vem junto.
Algumas medidas para a higiene do sono vão melhorar a Insônia e os problemas do ciclo circadiano. Precisamos definir um horário de rotina para dormir (em geral, entre 7 e 8 horas por noite). Este horário precisa ser mais ou menos fixo. Procure chegar em casa pelo menos 3 horas antes de deitar, estipule que 2 horas antes, não mais vai pensar em trabalho. Vá diminuindo o ritmo com poucas discussões, falando mais baixo, diminuindo os volumes e atividades. Procure deixar as luzes mais amenas, deixe o quarto confortável, sem luzes acesas ou ruídos. Música suave faz bem e ler algo tranquilo por alguns minutos relaxa. Um banho e um chá mornos antes são tranquilizadores.
Deixe a TV na sala, desligue o computador, o tablete e o celular. Procure não ver mensagens após um certo horário. Evite café e outros estimulantes no período da tarde. Não exagere na refeição noturna.
Atividade física regular, principalmente no horário da manhã, é benéfica para a melhor qualidade de vida em geral.
• Para os que tem desordens do ciclo especificamente, orienta-se exposição à luz solar logo cedo. Procure dormir a cada dia um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde a cada 3 semanas e vá mudando o hábito devagar.
• Para as viagens, marque avião noturno e durma na tarde anterior. Assim que chegar ao destino, adote o novo horário o mais precoce possível.
• Para os trabalhadores em turno, muitas vezes é necessária medicação. As medicações benzodiazepínicas e os indutores do sono não devem ser usadas cronicamente, pois causam vícios e alteração da memória e da atenção. Procure sempre orientação especializada e tenha acompanhamento. A Melatonina é autorizada para este fim em outros países, mas aqui ainda não.
Quando o distúrbio do sono e do ciclo circadiano vem associado a outras doenças (Parkinson, Demência, Diabetes, doenças reumatológicas, Depressão, Pânico, Etilismo, Obesidade, etc.), essas doenças precisam ser tratadas adequadamente para termos melhores resultados.
Todos os Distúrbios do Sono se beneficiam de Psicoterapia, já que grande parte das causas estão relacionadas a ansiedade como base de tudo ou esta é acentuada pelo desajuste e sofrimento e constitui em um importante apoio ao trabalho médico.
“...A intenção paradoxal também é aplicável em casos de distúrbio do sono, o medo da insônia (O medo de insônia, na maioria dos casos, deve-se a ignorância do paciente em torno do fato de que o organismo provê, por si mesmo, da quantidade mínima de sono realmente necessária) resulta numa hiperintenção de pegar no sono, o que, por sua vez, incapacita o paciente de fazê-lo. ” (Viktor E. frankl : Em busca de sentido. Um Psicólogo no campo de concentração...)
A IMPORTÂNCIA DA MEDITAÇÃO E OS DISTÚRBIOS DO CICLO SONO-VIGÍLIA
Nos últimos vinte a trinta anos, estudos vem sendo realizados em universidades do mundo todo, evidenciando os benefícios de uma técnica científica com muitas vertentes, mas com base comum e sem contraindicações. Estou falando da meditação. Não é uma religião, no sentido restrito da palavra, mas no sentido da “religação” e busca do autoconhecimento.
Há muitas evidências na melhora da insônia, ansiedade, depressão, dores crônicas e no auxílio ao tratamento de muitas doenças crônicas.
Há um grande estudo publicado pelo Japonese Journal of Industrial Health EM 1993, com quase 500 trabalhadores da Indústria pesada de Sumitomo, que foram treinados em MT (Meditação transcendental). Quando comparados com o grupo controle, tiveram melhora substancial no sono.
Outro estudo conduzido na Albert University, no Canadá, observou uma redução de 50% no tempo de indução do sono, após 30 dias de meditação transcendental. O estudo reavaliou os pacientes 1 anos depois, e estes mantiveram a melhora inicial.
Estes estudos são muito difíceis de serem realizados e avaliados e validados, pois é uma técnica que depende da aderência e da motivação do paciente, para o empenho e dedicação a sua própria causa.
São muito frequentes as queixas de dores crônicas associadas aos distúrbios do sono e ciclo sono-vigília. Principalmente piora da Enxaqueca prévia e surgimento de uma nova cefaleia, geralmente do Tipo tensional. Dores cervicais e lombares, fazendo com que o paciente busque o Ortopedista por várias vezes, por dores em diferentes locais do corpo. A Fibromialgia, que consiste em dor generalizada logo surge, e consigo, a baixa autoestima vai tomando espaço.
TUDO ISSO É RESULTADO, E NÃO CAUSA.ESTÁ MESMO DISPOSTO
A ENCARAR A CAUSA, E TRATÁ-LA?
Dra. Elaine Cristina Lima - Neurologista
Com mais de 16 de anos de experiência vividos em Medicina,
na área de Neurologia com MBA Executivo em Saúde;
Expertise em Neurologia e Clínica Médica;
UNIFESP
Instituto Neurospine Telefones: (11) 3051-2543 e (11) 97607-9728